Imagine a seguinte situação: você passa por um procedimento médico ou internação, utiliza seu plano de saúde e, meses depois, quando acredita que está tudo resolvido, é surpreendido com uma conta do hospital. Essa é uma realidade para muitos brasileiros e gera uma enorme dor de cabeça. Mas, na maioria dos casos, essa cobrança é indevida. Neste artigo explico por que isso acontece, qual o entendimento da Justiça e o que você deve fazer para proteger seus direitos.
Tudo começa com um termo técnico chamado glosa. De forma simples, a glosa acontece quando o plano de saúde se recusa a pagar ao hospital por algum procedimento, material ou medicamento utilizado no seu tratamento. Essa recusa pode ser total ou parcial e geralmente ocorre por três motivos:
Glosa Administrativa: Erros no preenchimento de guias, falta de documentos ou falhas burocráticas.
Glosa Técnica: O plano de saúde questiona o procedimento realizado, os medicamentos prescritos ou a necessidade de algum material, alegando que não era o mais indicado.
Glosa Linear: A operadora alega que faltam informações que justifiquem o que foi cobrado pelo hospital.
O problema é que, para não arcar com o prejuízo, muitos hospitais transferem essa conta diretamente para o paciente. E é aí que a cobrança se torna ilegal.
O entendimento jurídico majoritário é claro: a relação contratual que envolve o pagamento de despesas médicas se dá entre o hospital e o plano de saúde. O paciente, ao contratar o plano, já cumpre sua parte ao pagar as mensalidades em dia.
Qualquer desacordo administrativo ou comercial entre o hospital e a operadora de saúde deve ser resolvido entre eles. O consumidor não pode ser penalizado por uma falha nessa relação. A Justiça entende que o paciente é a parte mais frágil (hipossuficiente) e não pode ser colocado em desvantagem exagerada, como determina o Código de Defesa do Consumidor (CDC) em seu artigo 51.
É muito comum que, no momento da internação, o hospital peça para o paciente ou um familiar assinar um "Termo de Responsabilidade" ou um contrato de prestação de serviços. Esse documento, muitas vezes, inclui uma cláusula que responsabiliza o paciente por qualquer despesa que o plano de saúde não cubra.
No entanto, a validade desse termo é altamente questionável. A assinatura geralmente ocorre em um momento de grande estresse e vulnerabilidade emocional, o que configura um "estado de perigo", previsto no artigo 156 do Código Civil. Nesses casos, a pessoa não tem condições de negociar ou refletir sobre as cláusulas do contrato, assinando por medo de não receber o atendimento necessário.
Além disso, a Resolução Normativa nº 496/2022 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) proíbe expressamente que os prestadores de serviço exijam "caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito" O termo de responsabilidade, ao criar uma dívida para o paciente, pode ser enquadrado como um desses títulos de crédito vedados pela norma.
A jurisprudência tem se consolidado em favor do consumidor. Em muitos casos os hospitais têm sido condenados a indenizar consumidores por danos morais após ter negativado seu nome por uma dívida decorrente de glosa. As decisões são claras ao afirmar que o hospital não pode cobrar dos beneficiários de plano de saúde as "glosas".
Se você recebeu uma cobrança hospitalar após ter utilizado seu plano de saúde, siga estes passos:
Não pague a conta: Pagar a dívida pode ser interpretado como um reconhecimento de que ela é devida, dificultando um futuro questionamento judicial.
Guarde todos os documentos: Contrato com o plano de saúde, carteirinha, guias de autorização, e-mails, protocolos de ligação, a cobrança recebida e qualquer outro documento relacionado ao atendimento.
Notifique o hospital e o plano de saúde: Envie uma notificação por escrito (e-mail com aviso de recebimento ou carta registrada) para o hospital e para o plano de saúde, informando que a cobrança é indevida e que a responsabilidade pelo pagamento é da operadora.
Procure um advogado especialista: Um profissional com experiência em Direito da Saúde poderá analisar seu caso, orientá-lo sobre as melhores medidas a serem tomadas e, se necessário, ingressar com uma ação judicial para anular a cobrança e pedir uma indenização por danos morais, especialmente se seu nome foi negativado.
A cobrança de despesas hospitalares após a glosa do plano de saúde é uma prática abusiva que tem sido combatida pela Justiça. O consumidor é a parte mais vulnerável nessa relação e não pode ser responsabilizado por problemas administrativos e comerciais entre hospitais e operadoras de saúde.
Se você está passando por essa situação, não hesite em buscar seus direitos, procure um (a) advogado (a) especialista.