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27/08/2025
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A ilegalidade da cobrança de mensalidade após cancelamento do plano de saúde

 A crise de confiança no Poder Judiciário, a politização da justiça, entre outras distorções, podem e devem ser analisadas e contrapostas com julgados com vocação para serem clássicos - precedentes. Este é o caso da recente decisão abaixo analisada.

É com frequência que nos deparamos, na prática jurídica, com a imposição de cláusulas contratuais que, a pretexto de assegurar a estabilidade das relações negociais, acabam por onerar desproporcionalmente o consumidor, em especial no que se refere aos contratos de prestação de serviços de saúde.

Recente decisão proferida pela Turma V do Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) vem, em boa hora, reforçar as trincheiras da defesa do consumidor contra tais práticas, que se revelam não apenas abusivas, mas fundamentalmente ilegais.

Trata-se do caso em que a operadora SulAmérica Seguradora de Saúde S/A, valendo-se de uma disposição contratual que estipulava a necessidade de um aviso prévio de 60 dias para a rescisão, buscou impor a uma empresa contratante a cobrança de duas mensalidades subsequentes ao seu pedido de cancelamento. O pleito da operadora, embora formalmente amparado no instrumento contratual, foi rechaçado pelo Judiciário, que declarou a nulidade da cláusula por considerá-la manifestamente abusiva.

O cerne da questão, e aqui reside a importância de se analisar o julgado, repousa na fundamentação adotada pelo relator, o juiz substituto em segundo grau, Ricardo Pereira Junior que, com acerto, entendeu que a cláusula em questão extraía sua validade de um dispositivo normativo – o artigo 17, parágrafo único, da Resolução Normativa 195 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – que já não possuía qualquer eficácia no ordenamento jurídico.

O dispositivo fora previamente anulado em sede de Ação Civil Pública pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) e, como se não bastasse, formalmente revogado por uma resolução posterior da própria agência reguladora (Resolução Normativa 455/20).

Sem razão o argumento da operadora, que pretendeu dar sobrevida a uma obrigação cuja base legal se esvaiu, tornando-se letra morta. Como bem pontuou o relator, “devem ser observadas as disposições livremente pactuadas, mas afastada aquela que contém obrigação que não mais encontra amparo na normatização aplicável aos planos de saúde”. A autonomia da vontade, princípio basilar do direito contratual, não se erige como uma regra inabalável, capaz de subverter a hierarquia das normas e de se sobrepor à própria legalidade.

O Tribunal aplicou, de forma irretocável, o Código de Defesa do Consumidor ao caso, em conformidade com o entendimento já pacificado pela Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O voto contempla, com precisão, que a pessoa jurídica contratante, embora não seja a destinatária final direta do serviço, figura como consumidora na relação, dada a sua manifesta vulnerabilidade técnica e o fato de que o plano de saúde se destina ao benefício de seus colaboradores, não se integrando à sua atividade empresarial precípua.

A decisão, nos autos do processo 1031649-83.2025.8.26.0100, TJSP, é um marco importante e serve de alerta. Cláusulas que visam a “tolher o direito de o consumidor optar por se retirar do plano ou contratar outro, limitando sua portabilidade ou lhe impondo encargos quando não mais fará uso do serviço ofertado” são, na sua essência, nulas de pleno direito.

A prática de exigir o cumprimento de um aviso oneroso após a manifestação inequívoca do desejo de cancelar o serviço constitui um artifício ilegal para a retenção indevida do cliente, ferindo a boa-fé objetiva que deve nortear todas as relações contratuais.

Por Paulo Henrique > Advogado Sacilooto 22

Paulo Henrique > Advogado

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